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segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Foto: Luís Krebs
QUILOMBO CHÁCARA DAS ROSAS E SUAS LUTAS DIÁRIAS
A Associação de Quilombo Chácara das Rosas reivindicou seus direitos e agora vive em novas moradias desenvolvidas pelo governo

Qualquer um que entre no Quilombo Chácara das Rosas, na cidade de Canoas, pode pensar se tratar de um condomínio de casas comum: contém casas de alvenaria de 40m², infra-estrutura de uso comunitário, como praça, centro social, casa de culto e horta. Mas, naquele terreno, onde tudo parece usual, muitas histórias de lutas já foram vivenciadas.

A presidente da Associação, Isabel Genelício, coordena o local onde vivem 30 famílias, galinhas e cerca de 15 cachorros. Ela alega que costuma estar à frente das reinvindicações dos direitos dos quilombolas na sociedade. Diversos feitos foram conquistados por causa da persistência de certos membros. Atualmente, a Associação conta com diversos recursos, como acesso à água e direito a consultas médicas a domicílio, que antigamente não eram tão simples: “Antes, a gente abria a água e distribuía em calhas e mangueiras em um só momento, porque era muito caro”, diz Isabel, aos risos.

A presidente também relata sobre o preconceito que alguns quilombos costumavam sofrer em relação a conquista empregos. Ela, que sempre foi diarista, afirma que as mulheres eram as únicas que conseguiam trabalho um tempo atrás: “Nós [mulheres] saíamos de casa para trabalhar, e os homens ficavam aqui, limpando a casa, cozinhando”. Isso se deve ao fato de que eram discriminados da sociedade e os empregadores não lhes davam chances. Agora, eles também têm adquirido seu espaço: “Eles estão trabalhando como limpadores de pátios, eletricistas, mecânicos.”, alegra-se.

A LUTA PELAS CASAS

Em 2009, a Associação Quilombola Chácara das Rosas recebeu a titulação de quilombo urbano. E em 2012, foi firmado contrato para a construção de moradias novas para os residentes do local. O empreendimento habitacional foi entregue em dezembro de 2013 e faz parte do programa Minha Casa, Minha Vida Entidades, do Governo Federal.

Para a secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Joceane Gasparetto, acredita que a entrega do quilombo confere grande significado ao trabalho social realizado com a comunidade.

Isabel relata que a luta pelas novas moradias iniciou em 2004, mas os quilombolas não foram ouvidos pelo governo e órgãos públicos: “Até eu achava que estávamos sonhando alto”, conta. Entretanto, em 2009, quando ocorreu a titulação, a visão dos membros da associação mudou e eles passaram a acreditar que seria possível receber casas novas. 

A presidente da Associação ressalta que tiveram de enfrentar burocracias dos governos federal, estadual e municipal. Além disso, participou de audiências públicas, juntamente do Conselho Nacional de Promoção de Igualdade Racial (CNPIR), para pressionar os órgãos responsáveis para firmamento de acordo que lhes daria direito às novas residências. Para ela, foi preciso anseio por mudanças: “Meu olhar em relação à Associação é diferente. Eu quero respostas. Meus primos, por exemplo, não percebem as mesmas coisas que eu. É que vivenciei diretamente a pressão política”, diz. Mesmo com todos os empecilhos, nada desanimou Isabel: “Apesar de tudo, foi uma grande vitória”, emociona-se.

Algumas reclamações, no entanto, surgiram após a entrega das novas casas. Os residentes avaliam o terreno como grande problema, uma vez que é desnivelado, e, quando chove, enche de água e poças na pracinha. Além disso, Isabel salienta que oito famílias não receberam casas. A prefeitura, por sua vez, afirmou que abrigaria tais famílias em outros programas do governo, mas isso não foi feito. Após entrar em contato com os responsáveis, a presidente da Associação diz que casas serão construídas no local da horta – que será transferida.

Ouça Isabel falando sobre a dificuldade de conquistar as casas: 




LUTA PELA EDUCAÇÃO

Isabel conta que também tiveram de lutar para ter acesso a escolas e creches para as crianças. “A educação estava horrível”, fala. De acordo com ela, a entrada na creche foi relativamente fácil. As crianças estudam na creche Vó Babali, e algumas mães que já conheciam o local orientaram as famílias em relação à documentação e papeis para fazer a inscrição dos pequenos. “Por incrível que pareça, nós - urbanos - não tínhamos certos documentos precisos para a inscrição. Havia crianças que não tinham nem registro”, diz. O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) também prestou auxílio para conseguir os papéis necessários.

O acesso à escola, por sua vez, foi mais difícil. Isabel narra o que foi feito para que os jovens pudessem ingressar na Escola Municipal Prefeito Edgar Fontoura: “Fomos eu e minha prima à escola e falamos com a direção. Falamos sobre o projeto Mais Educação e conseguimos mudar o cenário”.

O colégio oferece oficinas de teatro e Isabel percebe a oportunidade como algo positivo. “É bom aprender dessa maneira, é mais fácil”. Mas ela reforça a ideia de que os pais são responsáveis em fazer com que os jovens queiram participar das aulas: “Vamos ter uma reunião para reforçar importância das aulas e da educação”.

Gabriel, de 11 anos, está no quarto ano e comenta: “A matéria que eu mais gosto é matemática”. Já Carolina, de 12, frequenta as aulas do terceiro ano e diz que gosta de aprender.

TRADIÇÕES DOS QUILOMBOS

Questionada sobre as tradições que se mantêm na comunidade quilombola Chácara das Rosas, Isabel é categórica: “as tradições dos quilombos enfraqueceram muito”. Para ela, isso ocorre devido à juventude, que, às vezes, não percebe a importância do respeito com os mais velhos e não cultuam certos costumes. Ela relata que, na Associação, existe um Conselho de Anciões, que serve para guiar a juventude e auxiliá-la a seguir as regras e hábitos quilombolas.

Apesar disso, Isabel é otimista: “De uns tempos para cá, o interesse aumentou, principalmente em relação à religião”. Ela credita a melhoria às novas casas, que  aproximou as famílias e gerou rodas de conversa entre elas. Inclusive, a presidente da Associação também crê que com o assentamento das famílias nas moradias, será possível enxergar melhor o todo e, assim, poder intervir.




URBANIZAÇÃO

A urbanização foi um fator decisivo para que as tradições ficassem em segundo plano. O Quilombo Chácara das Rosas é localizado próximo a um bairro nobre de Canoas, cercado de prédios altos e em frente à construção de um shopping moderno. Mesmo que lutem contra isso, a comunidade está inserida em um contexto fortemente urbano.

Assim, como há muitos jovens e adolescentes na Associação, é possível perceber a adoração por tecnologia, como computador, celular e televisão. Aliás, diversas casas contêm televisões de telas LCD e computadores.

Alex, de 26 anos, alega que passa a tarde inteira no computador: “Só paro para assistir à novela, mas, em seguida, volto ao Facebook”. Gabriela, filha de Isabel, também costuma acessar a rede social e quando foi convidada para posar para uma fotografia, responde imediatamente: “Só tiro fotos quando estou arrumada, para postar no Face”. 



Nomes: Ana Paula Zandoná, Andressa Puliesi e Caroline Alves


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